domingo, 1 de julho de 2012

Uma das apreensões de setores da Sociedade Nacional


Os perigos negligenciados na mudança do Código Ambiental

Um princípio da Biologia da Conservação (ciência que estuda como conservar e usar de forma sustentável os recursos naturais bióticos) é que, mesmo que sejam numerosos e extensos, parques e reservas públicos isolados não são suficientes para que a biodiversidade da Terra e o funcionamento de seus ecossistemas sejam garantidos de forma permanente.A participação de áreas particulares é imprescindível para assegurar essa situação e isso significa que, de uma maneira ou outra, temos, todos,responsabilidade no desafio de desenvolver o país de maneira ambientalmente saudável.

A rede de parques e reservas do Brasil dispõe de uma legislação própria, baseada na chamada Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, Lei nº 9.9985 de 2000). Já a conservação em todas as áreas particulares obedece ao que conhecemos como Código Florestal (Lei nº 4.771), instrumento legal adotado em 1965.

O Código Florestal protege áreas ambientais frágeis e, ao mesmo tempo, estratégicas para a segurança de toda a sociedade, caso das margens de rios e reservatórios, encostas íngremes e nascentes. Essas áreas são denominadas de Áreas de Preservação Permanente (APP). Além disso, determina que uma porção da propriedade rural permaneça coberta pela vegetação nativa original, denominada de Reserva Legal (RL). Baseando-se em resultados científicos, o Código Florestal reconhece 14 funções ecológicas das APPs e RLs: preservação dos recursos hídricos, paisagem e biodiversidade, garantia do fluxo gênico de fauna e flora, proteção do solo, garantia do bem-estar das populações humanas e do uso sustentável dos recursos naturais, garantia da conservação e reabilitação dos processos ecológicos, promoção do abrigo e proteção da fauna e flora nativas, proteção sanitária, controle do fogo e da erosão, favorecimento da erradicação de espécies invasoras e proteção de plantios com espécies nativas.

Várias são as modificações propostas para o novo Código Florestal. As principais incluem , por exemplo:

1. Substituição do “leito maior” por “calha” e “leito regular”. Essa medida, aparentemente simples, na realidade equivale a alterar o critério de medida dos limites das áreas protegidas de APP de margem de rios. Atualmente, a Lei do Código Florestal prevê que os limites sejam medidos a partir do “leito maior sazonal” do rio, o que significa a meda das maiores cheias anuais. O novo texto troca “leito maior” por “leito regular” ou “calha do rio”, que equivale ao curso seguido pelo rio na maior parte do ano. Essa mudança reduz drasticamente  a área ribeirinha protegida por Áreas de Preservação Permanentes, sobretudo nos rios maiores, pois grande parte da área atualmente protegida de um ponto de vista legal ficará localizada dentro do próprio leito maior do rio. Com essa medida, grande parte das florestas ribeirinhas brasileiras perdem sua proteção legal, visto que a planície de inundação (área alagada todo ano durante as enchentes) passa a ser desconsiderada no cálculo da APP. Também para fins de recomposição, a nova proposta reduz a APP de margens de rios (com até 10 metros de largura) dos 30 metros atuais para faixas que dependem do tamanho da propriedade, podendo ser de apenas 5 metros, em alguns casos.

2. Nas várzeas, mangues (o que inclui os apicuns) e matas de encosta, topos de morros e áreas com altitudes acima de 1.800 m passa a ser permitidas atividades econômicas agrossilvopastoris. Ocorre que todos estes ambientes são reconhecidamente frágeis e apresentam dificuldade de recuperação a impactos, além de prestarem diversos serviços ambientais. Todas essas áreas são ecossistemas únicos, com faunas e floras exclusivas. São essas áreas que estão envolvidas nos alagamentos dentro das cidades durante as inundações ou deslizamentos de terra durante as chuvas de verão, provocando transtornos que vão desde perdas materiais a mortes.

3. A nova proposta permite que as Áreas de Preservação Permanente sejam incluídas para o cálculo do porcentual da Reserva Legal. Essa alteração no código anterior liberará as áreas de vegetação nativa presentes nas propriedades para desmatamento e fragmentação florestal, ambos nocivos em termos ambientais. Alterações nas Margens dos fragmentos é chamado efeito de borda.

Saiba que... Efeito de borda é uma alteração na estrutura, na composição e/ou na abundância relativa de espécies na parte marginal de um fragmento. Tal efeito seria mais intenso em fragmentos pequenos e isolados. Esta alteração da estrutura acarreta em uma mudança local, fazendo que plantas que não estejam preparadas para a condição de maior estress hídrico, característico das regiões de borda, acabem perecendo, acarretando em mudanças na base da cadeia alimentar e causando danos à fauna existente na região. Muitas vezes essa morte dentre os integrantes da flora na região de borda, acarreta na ampliação desta região, podendo atingir segundo alguns autores, até 500m.

Na comunidade científica é quase unânime a opinião de que uma das principais consequencias dse uma legislação será o aumento generalizado do desmatamento. A principal razão para justificar essa projeção é fácil de compreender : apenas a permissão é automática de desmatamento contida na nova lei para propriedades com até 4 módulos fiscais provocaria nos estados do norte do Brasil desmatamento de até 71 milhões de hectares de florestas nativas.

A perda dos ambientes naturais leva a perda dos serviços ecossistêmicos que incluem água limpa, madeira, polinizadores para plantações, ambientes de reprodução para peixes, ostras e plantas agrícolas. A redução das áreas de vegetação das várzeas (inundadas periodicamente na época das chuvas) leva ao assoreamento. A perda da vegetação natural afeta a recarga dos aquíferos que são grandes reservatórios subterrêneos de água. Perda de inúmeras de espécies de peixes, abelhas nativas que atuam como polinizadores e da biodiversidade. As áreas florestais atuam como centros do sequestro natural de gás carbônico em grandes quantidades e sua retenção na biomassa vegetal sob a forma de raízes, troncos, galhos e folhas. A redução das Áreas de Reserva Legal reduzem ambientes que desempenham papel fundamental como corredores de migração e pontos de passagem de milhares de sementes e animais, fornecendo o que os pesquisadores chamam de conectividade

Assim, o planejamento do uso da paisagem é fundamental para que se possam utilizar de maneira racional os recursos do presente e do futuro

(Fonte: SOUZA, A.F. ; CASTARO, L.A. Uma das apreensões de setores da sociedade nacional. Scientific American edição Julho de 2012)

Nenhum comentário:

Postar um comentário